Então

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O SILÊNCIO É MORTAL

Você já se perguntou porque é que dizem que o silêncio é mortal? Numa divagação parva e completamente despretensiosa acho que descobri. O silêncio é mortal porque os cadáveres não reclamam. Você pode arranhar, beliscar, bater, traficar e assim mesmo eles continuarão a manter uma mudez letal, os mortos não revidam. Mortos não discutem política e economia, não sabem se o MST está ou não certo, eles não se importam se amanhã vai chover ou não. Mortos não consultam o horóscopo, não ligam e desligam o despertador o celular e a boca do fogão. Eles não precisam escovar os dentes, pentear os cabelos. Corpos em sua vida de finado vão no máximo uma vez ao médico, morto não pega gripe. Não dorme descoberto e, se dorme não está nem aí. Mortos não esquecem datas importantes, não tem patrão. Enfim, os mortos negam a existência a si e aos outros.

Passando agora da rigidez cadavérica e sutil deste texto, vamos pular para outra esquina. Negando o princípio da lógica, me desculpem os filósofos, mas este texto já começa errado pelo título, eu sei. Mas vou dar uma de morto e não vou me importar. Agora, me diga, são os mortos que são indiferentes a nós, ou nós que somos indiferentes a eles? Vejamos, você alguma vez não revidou? Não revidou porque você estava morto ou porque o objeto da réplica estava? Você alguma vez, por total descaso olhou a bina do celular e não atendeu? Não atendeu porque você estava morto ou porque você não atende ligações de cadáveres? Poderíamos fazer comparações durante todo o texto, mas creio que o caro leitor já pegou a veia do discurso.

Agora, me diga, de qual lado você quer estar? Indiferença é primeira ordem para os mortos. Mortos são completamente indiferentes, eles não querem saber se você está bem, se você está sofrendo, mortos tem os sentimentos anestesiados. Você já matou alguém? Confesse. Todo mundo já matou alguém. E, como em alguns crimes, as pessoas são passíveis de arrependimento, entretanto, sabemos que para a morte não há remédio, se alguém souber me avise que eu mudo o texto. Há alguns que matam aos poucos, outros que matam de forma fulminante, e todo aspirante a morto avisa ao menos uma vez que está a ponto de morrer. Suplica ignorada e está lá mais um corpo estendido no chão. Triste? Nem sempre. E se você acha que eu acho graça disso tudo, pense melhor, afinal morto também não ri.

Zeca Arruda

Publicado no Recanto das Letras em 26/04/2010
Código do texto: T2219815

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