Então

sábado, 21 de agosto de 2010

Marinhas – Arqueologia da Morte






























































O fotógrafo Orlando Azevedo, de 61 anos, tornou-se conhecido por duas grandes expedições pelo interior do País. Na primeira, entre 1999 e 2000, percorreu 70 mil quilômetros, resultando em várias exposições e nos livros Homem, Terra e Mito, que integram a coleção Coração do Brasil. A segunda, entre setembro de 2005 e abril de 2006, registrou o Paraná e também foi vista em mostra e em livro. Agora, o fotógrafo foi à praia, recolhendo animais em decomposição, ossos, conchas, objetos oxidados e até um ursinho de pelúcia envolto em arame. Apesar das imagens decompostas, ele diz que a mostra Marinhas – Arqueologia da Morte é um elogio à vida, uma promoção da “ressurreição da extinção”.

Ao voltar-se para o mar, Azevedo reviveu a infância. Nascido na Ilha Terceira (Açores/Portugal), cresceu fascinado pelo Oceano Atlântico e pelas imagens a que tinha acesso na National Geographic, da qual o avô e o pai foram assinantes. “Isso foi decisivo na minha formação visual.” Já em Curitiba, para onde se mudou em 1963 com os pais, Azevedo envolveu-se com poesia e música, integrando uma das principais bandas do Estado, A Chave, que fez história entre 1969 e 79. “A grande intimidade, a ligação da fotografia é com a poesia e com a música”, afirma. “Sou um somatório desses três elementos em todo momento.” E são poesia e música que Azevedo coloca na mostra que será aberta hoje (20), ficando até o dia 28 de novembro no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba (Rua Marechal Hermes, 999).
Texto: Evandro Fadel

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O que Sakineh ensinou a Lula



Caso de iraniana condenada à morte pode ter mostrado real face de Ahmadinejad ao presidente brasileiro


Potkin Azarmehr

Será que toda a publicidade em torno da sentença de apedrejamento de Sakineh Ashtiani vai ajudá-la ou só contribuirá para piorar as coisas? Tenho feito várias vezes esta pergunta a mim mesmo. Em geral, minha primeira reação é que seria impossível piorar a situação de uma pessoa condenada ao apedrejamento.

O que pode ser pior para uma mulher do que ser colocada em um saco, enterrada até o peito e sofrer uma morte lenta e dolorosa sob os golpes das pedras que uma malta de neandertais que nada têm de humano atira contra ela?

O que pode ser pior para Sakineh do que acordar todas as manhãs pensando "é hoje que a sentença vai ser cumprida"? Portanto, não, as coisas não poderão piorar para Sakineh por causa de toda a publicidade que seu caso criou.

Será que esta publicidade e todas as campanhas salvarão sua vida? É uma pergunta ainda mais difícil de responder. Quem sabe o Judiciário da República Islâmica decida que aplicar a sentença não atende aos seus interesses ou os elementos imprevisíveis que hoje dominam o Judiciário do Irã talvez achem que é mais importante não dar a impressão de ceder às pressões externas e fazer concessões. Portanto, o sucesso da campanha internacional para salvar Sakineh não é garantido, mas a campanha já conseguiu várias vitórias, e a mais marcante é talvez alertar alguns dos que tentaram agradar ao governo de Mahmoud Ahmadinejad a se conscientizar com quem e com o que eles estão se envolvendo.

Pois procurar uma maior aproximação com um sistema cujo código penal prevê, no século 21, o apedrejamento e além disso o aplica, equivale a escarnecer de toda a esquerda que se diz "progressista" e não obstante apoia este sistema. O caso de Sakineh é suficiente para o homem comum dar-se conta do que está acontecendo no Irã e do que defendem os clérigos que o governam. A situação também expõe toda a hipocrisia dos "imbecis úteis" com seu verniz de intelectualismo pelo qual ninguém mais se importa.

O amigo mais notável de Ahmadinejad e de seus aliados que, em razão do caso de Sakineh, foi alertado quanto à identidade daquele ao qual está se aliando é talvez Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do Brasil. É impossível que o povo brasileiro, com sua cultura da alegria e seu amor pela vida aceite que seu presidente seja amigo de um regime que apedreja homens e mulheres submetendo-os à morte lenta.

Não é possível que o povo brasileiro se orgulhe de ver o homem que escolheu como seu representante beijando e abraçando um perverso ditador saído do obscurantismo. Como é possível que o povo brasileiro sancione a amizade com um regime que tenta prender o advogado de Sakineh por defender sua cliente?

Como é possível que o povo brasileiro sancione a amizade com um regime que faz reféns a mulher inocente, o cunhado e o sogro do advogado de Sakineh, separando a filha de 7 anos de seus pais?

Quem sabe Lula, por fim, tenha se dado conta de quem é aquele ao qual pretende se aliar. Se for assim, já será uma vitória para Sakineh e para todos os que tentam salvá-la.

Potkin Azarmehr / Instituto Millenium - O Estado de S.Paulo

É ATIVISTA IRANIANO

TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

E o Kikito vai para...



É com prazer que o 38º Festival de Cinema de Gramado anuncia a PREMIAÇÃO 2010

LONGA-METRAGEM BRASILEIRO
Melhor Filme de longa-metragem: BRÓDER de JEFERSON DE
Melhor Diretor: JEFERSON DE por BRÓDER
Melhor Ator: CAIO BLAT por BRÓDER
Melhor Atriz: SIMONE SPOLADORE por NÃO SE PODE VIVER SEM AMOR
Melhor Roteiro: DANI PATARRA E JORGE DÚRAN por NÃO SE PODE VIVER SEM AMOR
Melhor Fotografia: LUIS ABRAMO por NÃO SE PODE VIVER SEM AMOR
Melhor Trilha Musical: JOÃO MARCELLO BÔSCOLI e JEFERSON DE por BRÓDER
E JONH ULHOA, RUBEN JACOBINA e DIAMANTINO FEIJÓ por PONTO ORG
Melhor Montagem: QUITO RIBEIRO e JEFERSON DE por BRÓDER
Melhor Direção de Arte: ANA DOMINONI por O ÚLTIMO ROMANCE DE BALZAC
Prêmio Especial do Júri: O ÚLTIMO ROMANCE DE BALZAC, de GERALDO SARNO
Prêmio da Crítica: Melhor Filme: DIÁRIO DE UMA BUSCA, de FLAVIA CASTRO
Prêmio do Júri Popular: Melhor Filme: 180º, de EDUARDO VAISMAN
Prêmio do Júri Estudantil: Melhor Filme: DIÁRIO DE UMA BUSCA, FLAVIA CASTRO


LONGA-METRAGEM ESTRANGEIRO
Melhor Filme: MI VIDA CON CARLOS, de GERMAN BERGER
Melhor Diretor: NICOLAS PEREDA, por PERPETUUM MOBILE
Melhor Ator: GABINO RODRIGUEZ, por PERPETUUM MOBILE e MARTIN PIROYANSKY,
por LA VIEJA DE ATRAS;
Melhor Atriz: ALMA BLANCO, por LA YUMA
Melhor Roteiro: PABLO JOSE MEZA, por LA VIEJA DE ATRAS
Melhor Fotografia: MIGUEL LITTIN por MI VIDA CON CARLOS
Prêmio Especial do Júri: LA YUMA, de FLORENCE JANGEY
Prêmio da Crítica: Melhor Filme: EL VUELCO DEL CANGREJO, de OSCAR RUIZ NAVIA
Prêmio do Júri Popular: Melhor Filme: MI VIDA COM CARLOS, de GERMAN BERGER
Prêmio do Júri Estudantil: Melhor Filme: EL VUELCO DEL CANGREJO, de OSCAR RUIZ NAVIA



PREMIAÇÃO – CURTA 35 MM E DIGITAL
Melhor filme: CARRETO, de CLAUDIO MARQUES E MARILIA HUGHES E HARUO
OHARA, de RODRIGO GROTA
Prêmio Especial do Júri: OS ANJOS DO MEIO DA PRAÇA, de ALÊ CAMARGO E
CAMILA CARROSSINE
Melhor Diretor: RODRIGO GROTA por HARUO OHARA
Melhor Ator: FLAVIO BAURAQUI por NINJAS
Melhor Atriz: ELISA VOLPATTO por UM ANIMAL MENOR
Melhor Roteiro: CLAUDIO MARQUES E MARILIA HUGHES por CARRETO
Melhor Fotografia: CARLOS EBERT por HARUO OHARA
Melhor Trilha Musical: MARCELO FRUET, BOTO STANLEY E AUGUSTO CANANI
por AMIGOS BIZARROS DO RICARDINHO
Melhor Montagem: PAULO SACRAMENTO por NINJAS
Melhor Direção de Arte: VICENTE SALDANHA por AMIGOS BIZARROS DO
RICARDINHO
Prêmio da Crítica: Melhor Filme: BABÁS, de CONSUELO LINS
Prêmio do Júri Popular: Melhor Filme: RATÃO, de SANTIAGO DELLAPE
Prêmio Estudantil: Melhor Filme: HARUO OHARA, de RODRIGO GROTA


Mostra Panorâmica:
Melhor Filme: TERRA DEU, TERRA COME, de RODRIGO SIQUEIRA


MOSTRA GAÚCHA – Prêmio Assembléia Legislativa de Cinema 35MM E DIGITAL
Melhor Filme: Um Animal Menor, de PEDRO HARRES e MARCOS CONTRERAS
Melhor Direção: William Meyer, por Eu e o cara da piscina
Melhor Roteiro: Pedro Harres e Marcos Contreras, por Um animal Menor
Melhor Fotografia: Bruno Polidoro, por Um animal menor e Peixe Vermelho
Melhor Direção de Arte: Lívia Santos, por Eu e o cara da piscina
Melhor Música: Jean Pierre Caron e Rafael Sarpa, por Peixe Vermelho
Melhor Montagem: Denise Marchi, por Eu e o cara da piscina
Melhor Edição de Som: Gabriela Bervian, por Peixe Vermelho
Melhor Produtor/ Produtor Executivo: Ana Adams, por Peixe Vermelho
Melhor Ator: Fernando Mantelli, por Limbo
Melhor Atriz: Araci Esteves, por Maldita

domingo, 15 de agosto de 2010

Morre aos 80 anos Abbey Lincoln, a última grande dama do jazz



Cantora americana era conhecida por seu ativismo político e compromisso com as minorias


Efe

WASHINGTON - A cantora e compositora de jazz americana Abbey Lincoln, conhecida por seu ativismo político e seu compromisso com as minorias, morreu no sábado, 13, em Nova York, aos 80 anos, informaram fontes da família à imprensa local.

Segundo o jornal The New York Times, o irmão da artista, David Wooldridge, confirmou que a cantora faleceu. As causas de sua morte não foram reveladas, embora Lincoln Abbey tivesse a saúde delicada desde que foi operada do coração em 2007.

A cantora foi um personagem polêmico por seu compromisso com os direitos humanos e raciais nos anos 60 nos Estados Unidos. Nessa época teve sucesso também no cinema e depois se aposentou até que reapareceu com força na década de 1990 como cantora, compositora e líder espiritual.

Abbey contracenou com Ivan Dixon em 1964 no drama racial "Nothing But a Man" e com Sydney Poitier em "Um Homem para Ivy" (1968). Sua música foi derivando desde os experimentos mais estridentes e rupturistas do africanismo militante rumo a um repertório predominantemente de baladas, com uma doce suavidade inspirada em Billie Holiday.

Entre seus últimos discos estão "The World Is Falling Down" (1990), "Devil's Got Your Tongue" (1993), "A Turtle's Dream" (1995) e "Who Used to Dance" (1996).

A cantora nasceu Anna Marie Wooldridge em Chicago no dia 6 de agosto de 1930 e cresceu na área rural de Michigan como a décima filha de uma família de 12 crianças. Chamada pela música desde jovem, se mudou para Los Angeles aos 19 anos, onde começou sua carreira. Seu último disco, "Abbey Sings Abbey", foi gravado em 2007 aos 77 anos.

Abbey Lincoln "Sophisticated Lady" (1980)



sábado, 14 de agosto de 2010

Uma por todas



Por Míriam Leitão e Alvaro Gribel

O mundo tem vivido uma lenta espera do fim trágico de uma mulher. Ela é uma apenas, Sakineh Ashtiani, mas parece todas. Sua confissão forjada na TV é a macabra tentativa do governo do Irã de pôr a culpa na vítima, antes do ato final. Sakineh ajuda a entender o Irã, ilumina outros casos que estavam nas sombras, e lembra a questão sempre aberta da violência contra a mulher.

A globalização é sua única chance. Condenada inicialmente por adultério, que confessou após 99 chibatadas, ela teve a acusação trocada por envolvimento na morte do marido. Seria mais uma mulher apedrejada no Irã ou em algum país onde os extremistas de uma religião controlam o Estado, se não fosse a divulgação do seu caso pelo mundo através de todas as mídias. No Brasil, surgiu o #ligalula no Twitter; pela internet, pessoas anônimas e famosas assinaram o abaixo-assinado pedindo suspensão da pena e libertação. Por todos os meios, seus filhos lutam para salvar a mãe. Seu filho de 22 anos, Sajjad, escreveu à ONU dizendo que vive em pesadelos com a possibilidade de a mãe ser apedrejada e diz que está convicto da sua inocência.

Quando Sakineh, com seu calvário, levanta o véu, o que se vê são outros casos brutais. Mariam Ghorbanzadeh, 25 anos, acusada de adultério, abortou após torturas na mesma prisão e também foi condenada à morte. A afegã capa da “Time”, Bibi Aisha, mutilada sem o nariz e a orelha. Os casos vão sendo revelados e trazem a marca da mesma perversidade.

Seria injusto acusar só o Irã de violência contra as mulheres. Infelizmente, essa é uma ferida aberta na área dos direitos humanos. A advogada Leila Linhares, feminista e integrante da comissão da OEA que monitora o assunto, explica que há dois tipos de países:

— Há países que têm na sua Constituição leis igualitárias e garantias de respeito aos direitos das mulheres. Mesmo nestes países, há violência contra a mulher. Mas há países que têm leis discriminatórias e que desrespeitam os direitos humanos. O Irã faz parte desse segundo grupo — me disse ela no programa que fiz na Globonews.

Em 1993, numa conferência internacional, a ONU passou a considerar a violência contra a mulher um crime contra os direitos humanos, contou Leila, que estava lá. Um espanto que isso tenha sido considerado só em 1993. Mesmo assim, as notícias não são boas a partir daí. Os países que assinaram a convenção têm que enviar regularmente relatórios sobre seus problemas:

— Nem em países considerados desenvolvidos, como Suécia e Noruega, se deixa de ver crimes cometidos contra os direitos das mulheres. A pressão internacional pela segurança das mulheres é tímida, e vem basicamente de grupos feministas. Nas organizações internacionais esse é um problema considerado de segunda ordem.

O embaixador Roberto Abdenur acha que não se pode aceitar, em nome do multiculturalismo, atos que ofendem a dignidade da pessoa humana:

— Foi por isso que em 1948 se escreveu a Carta dos Direitos Humanos e depois se criou o conselho. No mundo da globalização se tem mais visão do que está acontecendo. O episódio como esse terrível da senhora Sakineh ocorre num país fechado, isolado, em retrocesso, mas o fato põe o Irã na berlinda.

Leila Linhares também rejeita o que ela define como “naturalidade com que se aceitam tratamentos desiguais e discriminatórios em nome do relativismo cultural.”

— Em 1993, em Viena, foi feito um tribunal de crimes contra mulheres e analisados inúmeros casos, inclusive de uma brasileira. Havia casos de mulheres de países católicos, protestantes, judeu e muçulmanos. Vítimas brancas, negras, ricas e pobres. Os crimes contra mulheres acontecem em todas as partes do mundo.

O Brasil ficou no meio da polêmica de Sakineh pela guerra de versões sobre se o país ofereceu mesmo ou não asilo a ela. Todo o assunto foi tratado da forma errada desde o começo, quando o presidente Lula disse que cada país tem suas leis, até o momento em que improvisou uma oferta de asilo no meio de um evento de campanha. O assunto é sério demais para ser tratado assim.

O que enchia de esperança os defensores de Sakineh era que os erros da operação diplomática do apoio brasileiro ao Irã pudessem dar algum capital político a Lula. A torcida continua existindo, mas a reação do governo de Teerã, de chamar Lula de mal informado, mostra mais uma vez quais eram os propósitos de Mahmoud Ahmadinejad: usar o Brasil.

O embaixador Abdenur era o representante brasileiro na AIEA em 2003, quando pela primeira vez surgiram provas de que o governo iraniano por 18 anos havia escondido informações sobre seu programa nuclear. Recentemente, a Agência elevou o tom da avaliação do programa iraniano. Por tudo isso, ele conclui que o Brasil cometeu um erro diplomático grosseiro quando aceitou fechar aquele acordo com Teerã, votar contra a decisão do Conselho de Segurança e agora se dizer “contrariado” de ter que aderir às sanções:

— O Brasil entrou numa fria com seu apoio, confraternização e solidariedade em relação ao governo iraniano.

Por seus óbvios objetivos bélicos, o programa nuclear iraniano não é defensável. Pela força do seu simbolismo, quem tem que ser defendida com paixão é Sakineh, a mulher iraniana que está entre as pedras e a forca. Podem dizer que ela é uma só. Quem é Sakineh diante de tanta perversidade que existe contra as mulheres? Ela é símbolo. Lutar para salvá-la é dar um passo a mais para proteger todas as mulheres do mundo

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

As 50 mulheres essenciais do Twitter Brasileiro


Me senti acarinhada e honrrada por ser lembrada aqui

A Revista Bula pediu aos seus colaboradores, leitores e seguidores do Twitter, que fizessem uma lista com os perfis femininos essenciais do Twitter brasileiro. Como critério para a escolha deveria prevalecer o conteúdo e a interatividade. Não foram somados os votos de personagens femininos, apenas de pessoas reais. A partir da indicação dos convidados foi elaborada uma nova lista sintetizando a opinião dos participantes. A lista corresponde apenas a opinião dos colaboradores e leitores da Revista Bula. Eis o resultado em ordem alfabética:

domingo, 8 de agosto de 2010

Para o Meu Pai



Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto ao mar



QUARTO / AS ILHAS AFORTUNADAS

Fernando Pessoa

Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
E a voz de alguém que nos fala,
Mas que, se escutarmos, cala,
Por ter havido escutar.

E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos
Que ela nos diz a esperança
A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.

São ilhas afortunadas
São terras sem ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertando
Cala a voz. e há só o mar.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O filósofo na arquibancada


Daniel Piza

Como se não bastassem textos de Albert Camus, Nelson Rodrigues, João Cabral de Melo Neto, Eduardo Galeano, Robert Coover, Nick Hornby e tantos outros, os intelectuais que torcem o nariz para o futebol acabam de receber mais uma má notícia: o livro Soccer and Philosophy, organizado por um professor americano, Ted Richards (editora Open Court), com autores de diversos países. O tema "futebol e filosofia" soa pretensioso, mas não espere nenhuma análise academicista, cheia de jargões ou dogmas; tampouco o modelo brasileiro, de crônicas e memórias curtas. Os autores praticam a velha e boa arte do ensaio: são objetivos e pessoais ao mesmo tempo.

O alemão Paul Hoyningen-Huene, na abertura, tenta responder "por que o futebol é tão fascinante?" mostrando como as regras relativamente simples permitem uma variedade de situações que o torna menos previsível do que outros esportes e, assim, mais poderoso em "mimetizar o drama da vida". Menos previsível, lembra ele, não significa aleatório. Há uma mistura de técnica e sorte que não pode ser determinada por estatísticas, mas que jamais elimina totalmente os padrões e probabilidades. Os outros textos da primeira metade do livro vão na mesma linha. Curiosamente, nenhum nota em particular que o futebol é assim por ser jogado com os pés, não com as mãos, extensões mais diretas da consciência - o que explica que os craques sejam os mais conscientes, ou melhor, os menos inconscientes.

A segunda metade entra numa polêmica bem conhecida dos brasileiros, a do futebol de resultados versus "jogo bonito". E começa com um saudável meio-termo do espanhol - e torcedor do Barcelona - Victor Durà-Vilà. Ele não cai nem no pseudopragmatismo dos que dizem que só o placar importa, como o ex-técnico Dunga, nem no romantismo dos que acham que um gol é "um mero avanço numérico", como alguns professores no Brasil. Afirma que a primeira abordagem é "unidimensional", pois esquece a plástica do futebol, e lembra como as escolas brasileira e holandesa (ops!) provaram que é possível vencer com beleza. "Ninguém fica feliz se seu time perde e poucos vão ficar infelizes se ele vencer, não importa o estilo ou a estética do jogo: vencer é tudo. Em alguns lugares, porém, o estilo importa (...) não apenas porque é mais divertido de assistir, mas também porque é uma atividade inspiradora."

Na mesma linha, o trio de colombianos Camilo Olaya, Nelson Lammoglia e Roberto Zarama, escrevendo sobre Messi, mostra que o craque é quem sabe o momento certo de ser individualista, livre, criativo, em vez de seguir as ordens do treinador. "A liberdade em relação a tradições e regras chama atenção para o que é primordial no ser humano (...). Sim, talvez devêssemos quebrar regras com mais frequência." E o inglês Andrew Lambert estende o argumento para os torcedores: eles não deveriam ser fanáticos e violentos, e sim preservar um distanciamento reflexivo e irônico em relação a suas próprias paixões. O futebol é fascinante, mas não substitui a vida nem salva a pátria. Eis uma das lições que o autointitulado país do futebol tem demorado a aprender.

Outra possível lição do livro é sobre o futebol que atualmente se joga nos gramados do Brasileirão. Quem viu os clássicos do fim de semana (Palmeiras e Corinthians, Flamengo e Vasco, Cruzeiro e Atlético, Inter e Grêmio), ou seus resumos, não viu o que gostaria de ver: futebol bem jogado, com técnica, com bons armadores e artilheiros, e não uma sequência de pancadas e lambanças, com os mais habilidosos sendo substituídos pelos treinadores que só querem saber de carrinhos e chuveirinhos - de um futebol decididamente diminutivo, incapaz de qualquer tipo de pensamento. A derrota da seleção na África do Sul não serviu para nada?

fonte: O Estado de São Paulo