Então

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Quando Picasso mudou de tom



MoMA exibe a inédita Guitar, obra que alterou o rumo da história da arte

Guitar, Sheet Music, Glass
Paris, autumn 1912
Papers and newsprint (Le Journal, 18 November 1912)
pasted, gouache and charcoal on paper
48 x 36.5 cm
McNay Art Museum, San Antonio, TX
Daix 513

Holland Cotter

Estamos em 1912 e Pablo Picasso está em Paris, pensando: "E agora, o que mais?" Alguns anos antes, ele havia pintado o espetacular Les Demoiselles d"Avignon. As pessoas ficaram chocadas, os amigos não sabiam o que dizer. Animado com o alvoroço, fez variações sobre o tema: pinturas de mulheres nuas em cor de madeira, o corpo fragmentado. Ele mudou a história com sua obra. Substituiu o ideal benigno do nu clássico por nova linhagem de sexualidade armada e seres perigosos.
Ao mesmo tempo tudo que era fundamental em sua arte não foi alterado. A figura humana continuou soberana, a abstração inexplorada. A pintura ainda era reflexo do mundo que conhecíamos, não uma realidade alternativa com suas leis próprias. E Picasso teve de se perguntar até onde estava disposto a ir. Muito longe, como ocorreu, e a que ponto chegou é o tema de Picasso: Guitars 1912-1914, mostra que fica no Museu de Arte Moderna de Nova York até de 6 de junho, composta de 65 objetos pequenos relacionados por temas: pinturas, desenhos, colagens e combinações, com duas esculturas famosas, uma delas exibida pela primeira vez desde que deixou o ateliê de Picasso após a sua morte.
A mostra é o registro de breve, mas intensa revolução que forjou algumas das ideias mais desafiadoras na arte moderna. Em 1912, inspirado pelo amigo Georges Braque, Picasso abandonou a pintura retratista para se concentrar em naturezas-mortas. E juntos desenvolveram o que veio a ser chamado de cubismo.
As obras mais antigas da mostra revelam que Picasso ainda está apegado à identidade de pintor. A composição feita com objetos recortados e planos superpostos Bottle, Guitar and Pipe (óleo s/ tela, 1912) tem marcas de densa colagem, com letras de um texto copiadas e coladas, e sombras entre os planos superpostos. Mas as sombras e o texto foram retocados. Logo Picasso expande seu repertório. Guitar, Sheet Music and Glass, do fim de 1912, é uma colagem feita com jornal picado, partituras e papel de parede imitando madeira. Um desenho colado é o único exercício que exigiu suas habilidades de pintor. E em uma colagem elegante, Guitar, de 1913, não há nenhuma pintura. O que existe é a realidade cubista: coisas coladas sobre outras coisas nada convencionais.
Hoje, quase um século depois, é difícil avaliar quão desestabilizador foi esse trabalho alguns na época. Mais do que simples exemplo do trabalho de menino travesso turbulento, ele foi percebido como um tapa no rosto da beleza, do idealismo e do decoro, prova de uma cultura europeia em declínio. Guitar é a peça central desta mostra. Picasso a criou em Paris em 1912. Quase do tamanho de uma guitarra normal, ela parece frágil e, claro, jamais foi tocada. E representa muitas das dúvidas estéticas que o cubismo levantou.
O que é real? E por que uma versão do real é melhor do que outra? O que é "alto" e o que é "baixo"? O que faz com que o durável tenha mais valor do que o efêmero? O que torna um objeto uma arte e uma ideia não? Exatamente porque suscita tais ideias, a guitarra de papelão, com a versão posterior dela em chapas metálicas, também exposta, foi uma das mais influentes esculturas do século 20. Picasso parece ter dado a ela grande valor. Ele a fotografou em 1912 e depois a desmontou e a embalou. Apesar das solicitações, não exibiu essa escultura durante toda sua vida. E deixou-a para o MoMA ao morrer, em 1973.
Para expô-la, o museu reuniu um conjunto excepcional de obras maravilhosas e raras, como Bar Table With Guitar (1913), colagem de papel em que os elementos reunidos estão presos inteiramente com alfinetes. E a pequena colagem Head (1913), em que ele acrescenta um olho à simples composição de um cone branco sobre uma base escura.
O cubismo, pelo menos na sua forma inicial, foi aniquilado pela 1.ª Guerra. Quando o horror terminou, ninguém queria ouvir falar de instabilidade da realidade, ou do relativismo dos valores, estética ou qualquer outra coisa. O que não significa que o cubismo morreu. Como estilo, ele floresceu, mas essa é outra história. 
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

The New York Times

Nenhum comentário: